domingo, 19 de setembro de 2004

- Historinha para NÃO contar aos (seus) filhos -

    Um dia como qualquer outro. E foi num dia com qualquer outro que isso aconteceu. Até que os fatos destaquem o seu dia, todos os dias parecem, em grande maioria, iniciar da mesma forma inocente, anunciando a rotina do ontem e do amanhã.
    Estêvão chega em casa um pouco mais cedo do que de costume. Sua esposa, que já deveria ter chegado com as crianças após tê-las buscado na escola, não estava lá. Ele estranha, pois isso raramente acontece. A paz, o silêncio, há muitos anos, desde o nascimento do seu primeiro filho não são sentidos naquela casa. Não que Estêvão desgoste da sua família, claro que não, ele os ama, mas também sente falta de ter uns poucos momentos sozinho. Um rei precisa às vezes ter conhecimento do seu reino.
    Pegou o celular e ligou para Regina, sua esposa.
    - Oi, bem! Onde vocês estão?
    - Oi, querido! Dei uma passada aqui na Solange. É aniversário dela. Você quer vir? Tem um pessoal aqui. Não vou demorar, pois as crianças têm que dormir cedo.
    - Ah, não. Tudo bem. Eu prefiro ficar em casa e aproveitar pra descansar mais cedo.
    - Tá. Nós já estamos indo em breve. Se quiser, o jantar está no forno. É só esquentar seu prato no microondas.
    - Ok, sem problema. Eu me viro aqui sozinho. Beijo.
    - Beijo.
    Estêvão tirou a gravata e despiu-se até ficar de cueca. Colocou um short, sentou na sala e ligou a TV.
    O telejornal local anunciava mais uma vítima de bala perdida numa briga entre quadrlhas da cidade quando o sinal da TV fica significativamente prejudicado. Sem vento, sem tempestade alguma, nosso herói suburbano resolve ir ao terraço ver se há algo de errado na antena. Semana passada teve de dar uns puxões de orelha nos moleques da rua que subiram no terraço para apanhar pipa e acabaram por quebrar algumas telhas.
    Após uns dois lances de escadas, passando pela área de serviço da casa, e um local que chamavam de salão de jogos (mas não passava de uma grande ante-sala com uma mesa de pingue-pongue e sinuca) Estêvão chega ao terraço.
    Primeiramente, constata que sua piscina precisa de um pouco de algicida para o fim de semana que promete sol e depois se volta para o problema que o levou até lá.
    A antena parecia estar normal. Deu uma espiada de leigo nas conexões dos cabos e as julgou normais, sem alteração desde a última vez que as vira. Devia ter sido só alguma coisa no satélite ou algo assim.
    Estava para apagar as luzes do terraço e preparar-se para descer quando todas as luzes se apagaram sozinhas. Constata que não foram somente as do terraço, mas todas as luzes da casa, pois a parte que conseguia ver da área de serviços também se encontrava às escuras, mas as luzes da vizinhança permanenciam acesas.
    Foi Estêvão pensar em xingar a companhia de eletricidade e sua luz foi restabelecida.
    - Malditos gatos desse vizinho. Um dia pego todos e não vai sobrar nem o couro para tamborim - pensou vingativamente, certo de que os felinos rueiros de seu vizinho eram os responsáveis pela rápida queda da eletricidade - Melhor verificar o quintal. Com sorte começo a me livrar destas pestes hoje ainda.
    Agora sim. Ele desliga todas as luzes e desce novamente os dois lances de escada. Segue direto para o quintal e neste ponto já até esqueceu da TV ligada, tamanha sua revolta.
    No quintal não havia gato algum, fato que era de se estranhar pois sempre há um ou dois pelo menos sobre o muro, fazendo sua higiente diária. O sangue retoma o fluxo normal na cabeça do nosso amigo que volta para sua confortável sala para terminar de assistir o telejornal.
    O jornal havia acabado e ele chegou na sala no momento que o canal anunciava a novela que estava para começar.
    - Ah! Droga! - amaldiçoou a TV pois detestava novela. Pegou um livro que muito tempo deixara de ler e pôs-se a ler deitado sobre sua cama, no quarto. Ligou o ar-condicionado e fechou a porta.
    Havia esquecido como gostava de ler e decidiu que deveria procurar mais tempo para dedicar-se ao hobby. Não mais do que cinco páginas foram lidas quando ouve a porta de serviço se fechando e alguns passos, apesar de todo o barulho que o ar-condicionado fazia.
    - Nossa! Não imaginei que fossem chegar logo. - diz Estêvão ao mesmo tempo que abre a porta e sai do quarto - Regina? Ué?
    A surpresa foi grande pra não dizer assustadora quando percebeu que ainda estava sozinho.
    - Como se não bastassem os gatos, esse maldito vizinho não zela pelo silêncio e boa vizinhança definitivamente.
    E voltou a ler seu livro. Umas páginas mais tarde e com a calma recobrada Estêvão começa a se entregar ao cansaço que um dia de trabalho lhe empunha. E deitado sobre o livro, adormeceu. Um sono leve, por assim dizer.
    - “Tá dormindo por quê? Acorda. Quero brincar com você.”
    - Hã? Crianças?
    - “...”
    - Zzzz...
    - “Não! Acorda! Quero brincar com você.”
    - Quê?
    Estêvão levantado atordoado para ver se Regina finalmente chegara com as crianças, mas não havia evidências disso. Olhou para o relógio da cabeceira e viu que haviam se passado apenas uns poucos minutos desde que olhara o rádio-relógio pela última vez.
    Aproveitou que levantara e foi tomar um café na cozinha. As coisas não estavam muito bem, e disso ele tinha certeza. Devia ter sonhado ou coisa assim.
    Decidiu ligar novamente para Regina.
    - Oi, amor. Já estão chegando?
    - Tô dirigindo, benzinho. Já jantou?
    - Não, resolvi esperar vocês para jantar.
    - Ah, que bom! Nós já estamos pertinho. Você me faz um favor? Ponha o suflê no forno, ponha para esquentar em fogo baixo e coloque também o feijão para ferver. Está na panela de pressão sobre o fogão.
    - Está bem. Enquanto faço isso e vocês chegam, vou aproveitar pra tomar um banho bem quente e relaxar. Não devo estar me sentindo bem.
    - Aconteceu alguma coisa querido?
    - Não, não. Deve ser só uma indisposição.
    - Está bem então. Nos vemos daqui a pouco.
    - Tá certo. Beijo.
    - Beijo.
    Estêvão ligou seu aquecedor a gás, tirou a roupa e entrou no banho. Um banho mais para relaxar do que qualquer outra coisa. Os dias na empresa não estavam nada calmos. Era semana de encerramento de projetos e alguns estavam atrasados na agenda tendo que cumprir prazos previstos em contrato. Nada que uns dez minutos de praticamente puro vapor não faça um pobre mortal esquecer.
    Saiu do chuveiro esfregando na toalha os cabelos bastante grisalhos apesar dos trinta e dois anos e em seguida foi ao espelho enxugando o rosto para se barbear. Ao abrir os olhos e reconstituir a visão plenamente, Estêvão teve de se apoiar na pia devido ao susto que levara. Saiu correndo do banheiro ainda molhado, escorregando pelo piso do corredor. Foi ao quarto e trancou-se por lá até a hora de Regina chegar com as crianças.
    Até hoje quando lhe perguntam o que foi que lhe assustou tanto, e o fez retirar o espelho de todos os banheiros de sua casa, e recusar-se a olhar para os mesmos de outros lugares, Estêvão revive o pavor daquele dia. E mesmo quando toma coragem para revelar o motivo de seu terror, as pessoas riem dele. Ninguém acredita quando ele revela que vira naquela noite, as inscrições sobre vapor condensado no espelho: “TENHO QUE IR AGORA. VOLTO OUTRO DIA PARA BRINCARMOS MAIS”; e quem acreditaria?
    Como foi dito acima, todos os dias começam iguais. São apenas as surpresas que ditam o quanto este dia marcará o restante da sua vida.

sexta-feira, 17 de setembro de 2004

- Sabedorias do Mestre Gambá Cachaceiro -

    1 - Inferno astral é quando no dia primeiro de cada mês, o Diabo ordena seu demômio assistente abrir a agenda e perguntar: "Quem são os premiados do mês?"

    2 - A gente tropeça muito nessa vida. Os piores tombos são quando a gente pensa que já sabe andar.

    3 - Se a vida é um fluxo, quem foi o filho da puta que deu descarga sobre a minha?

    4 - Estou quase convencido de que a palavra esperança tem alguma origem remota em uma expressão que no fundo queria dizer: "Aguarda um pouco aí, otário. E é melhor sentar".

sábado, 11 de setembro de 2004

- Sabedorias do espelho -

    Eu ia escrever um post falando sobre mulheres, flores, mágoas e tabefes, mas acabei percebendo que ele ia sair mais obscuro do que a própria questão central do post, que na verdade é essa coisa complicada de gostar e merecer ser gostado.
    Já perceberam como é comum isso? Gostar de quem não gosta de você? Tratar bem quem não te ama parece ser uma coisa mais comum do que deveria pois sabemos que é totalmente ilógico. Provavelmente, todo mundo já deve ter se apaixonado por alguém que não dava a mínima, e essa pessoa só dava bola pra quem não lhe dava a mínima e por assim vai. Não faz sentido algum procurar felicidade numa pessoa que não te quer e te maltrata, mas mesmo assim você continua. Errado, né? Mas provavelmente todo mundo já fez isso.
    Será que a dor tem alguma relação com o amor ou algo parecido? Será que a dor fornece alguma coisa pras nossas vidas semelhante a algo que a ausênica de amor nos nega? Talvez os psicólogos, psiquiatras, antropólogos e sociólogos saibam, mas eu não sei.
    Ou será que isso tudo é apenas a consequência do movimento browniano que rege as colisões entre as pessoas? Você simplesmente colide e colide por aí, às vezes vocês se dá bem e ama, às vezes você se dá mal e apanha. Mas estranhamente quando se dá mal, algumas vezes você insiste, mesmo sabendo que "oops! não deu". Sei lá! Estou confuso com minhas próprias reflexões.
    Pior de tudo isso é que nem sofrendo de amor estou, então porque raios eu parei pra pensar isso? Essa minha noz só me traz problema mesmo.

    Observação: este post não contém conteúdo preconceituoso contra mulheres, flores, homens, guerreiros do sexo, floristas, donos de mercado, ou demônios da Tazmânia, então portanto aqueles comentários me rotulando de preconceituoso, playboy da zona sul (nem sei o motivo pois não moro na ZS), ou qualquer coisa que faça me sentir prejudicado, será devidamente (e novamente) apagado. Tenho dito.

domingo, 5 de setembro de 2004

- Dias melhores virão -

    Abaixo transcrevo uma "conversa" no icq com uma desconhecida.

    ^A^anjinha^:
    - Oi!
    Eu:
    - Oi. Não estou interessado em comprar enciclopédias, livros, bíblias, aspirador de pó, ou lixo nuclear.
    - hi hi hi. Por que não saiu hoje?
    - Porque eu estou em casa.
    - ha ha ha. Você é muito engraçado. Quer me conhecer?

    ****** !!!!!!!! ******

    - Não posso. Estou muito ocupado escrevendo o programa da primeira sonda espacial que vai dar uma volta na lua.
    - Que legal! Você é sientista?
    - Não, sou bailarino.
    - E como sabe dessas coisas?
    - Eu leio muito entre um ensaio e outro.
    - Nossa!

    ...

    - Mas por que não saiu hoje?
    - Porque eu sou um merda.
    - Por que diz isso?
    - Porque sou.
    - Posso ajudar?
    - Pode. Tem vassoura, pá de lixo e desinfetante?
    - Pra quê?
    - Nada não. Esquece.
    - Não posso ajudar?
    - Não?
    - Mas posso dizer uma coisa?
    - Vou me arrepender, mas pode.
    - Seja o que for, não deixe o sol que existe dentro de você se apagar.

    ****** ?!?!?!?!?!?! *******

    - E o que eu devo fazer? Beber protetor solar?
    - hi hi hi. Você é muito engraçado! :*
    - Agora eu posso te perguntar uma coisa?
    - Pode.
    - Sua mãe, se é que você tem uma, te pariu de pé?
    - Não entendi
    - Deixa pra lá, você já me respondeu.
    - Hã?
    - Ratificou.

    Ai... Por que eu não estudei mais biologia pra inventar um vírus contra a burrice?

quinta-feira, 2 de setembro de 2004

- Dias melhores virão -

    Hoje eu cheguei da faculdade às 15:40 e tava crente que ia poder dar uma cochilada, mas sempre há algo no mundo que me prejudique de alguma forma. Por falar nisso, quando formularam a teoria do Caos, esqueceram que eu sou uma constante que sempre atrai parte de entropia, mas não é sobre isso que quero falar.
    Quando saí do meu banho revitalizador, ouço a campainha tocar. Nada mais nada menos do que um entregador. Oba! Presente pra mim! .... Porra nenhuma, zé mané! Entrega pro meu pai. Na pressa de descer esqueço a chave aqui em casa, encontro todas as portas pelo caminho irregularmente destrancadas e abertas, sem chaves nada podia fazer a não ser deixá-las assim mesmo. Dentre as portas destrancadas está a porta que liga a garagem à parte externa do prédio, entre o portão que dá pra rua e o prédio propriamente dito. Como estava sem as chaves, atendi o entregador pelas grades do portão, quando nisso me aparece a besta da cobertura para entrar.
    No momento que passa por mim, eu digo, bem claramente:
    - Oi! Tudo bem? Olha só, eu deixei a porta da portaria destrancada porque eu estou sem chaves. Foi na pressa de descer.
    A besta quadrada:
    - Ah, tá! Tudo bem.
    Ela sobe, e eu termino de atender o cara. Ele parte e eu vou subir.
    Quando giro a maçaneta da maldita porta... surpresa! Está fechada.
    Primeira coisa que me vem a cabeça: "Que parte do 'deixei aberta pois estou sem chaves' aquela besta não entendeu?" Segunda coisa que vem a cabeça: "Arranho o carro dela, ou só esvazio os pneus?"
    Fiquei uns quinze minutos de fora da área habitada do prédio, porque na parte que fiquei preso nem tem como usar o interforne para chamar o zelador e aqui no prédio não tem porteiro. Tive que esperar a primeira boa alma chegar.
    Coincidência ou não, a alma a chegar foi a filha da besta quadrada, a besta redonda. Comentei o caso com ela, reclamando da mãe e decidi acompanhá-la para averiguar o que houve, afinal minha paciência tem limites.
    Chegando lá e resumindo a conversa:
    - Oi! A senhora acabou trancando a porta quando passou. Eu pedi pra deixar aberta pois estava sem as chaves.
    - Ah! Eu entendi, por isso que dei uma volta só na fechadura.
    Por essas e outras que o porte de arma é proibido.